terça-feira, 2 de outubro de 2012

Profundo, show de bola!

“Preciso de um lugar para fugir. Para me esconder. Para sumir. Onde eu possa respirar. Onde eu possa fechar os olhos. Me sinto sufocado. Me sinto como se estivesse pendurado pelo pescoço. Como se meu corpo fosse encolher até ficar tão miúdo como uma formiga. Preciso ter um lugar para descansar. Dormir sem hora para acordar. Acordar sem ter hora para dormir. Caminhar para onde meu horizonte apontar. Tirar essa sensação de que estou sendo enfiado dentro de uma lata de sardinha. Essa sensação de que há um trator passando por cima do meu peito. Me sinto como se meu espírito estivesse se contorcendo. Preciso ter calma. De onde vem a calma? Procuro entre os dedos dos meus pés. Ela não está. Procuro entre meus olhos. Ela não está. Retiro o rejunte dos pisos e atiro cacos de vidro no chão. Derreto velas. Ela não vem. Rezo. Ela não escuta. Canto. Ela ignora. Grito. Ela se faz de surda. Preciso de um lugar para repousar. Sem ninguém me questionando o que pretendo para o futuro. Sem nenhum nó amarrando meu passado. Sem foices tentando atingir a tampa da minha cabeça. Sem monstros que despertam aos sábados. Sem demônios me atormentando os ouvidos. Me sinto como se tivesse sido retirado do ventre de minha mãe e jogado nesse mundo cheio de concreto e ódio. Me sinto como se fosse um bebê buscando o primeiro contato com o oxigênio. Como se entrassem chamas pelo meu nariz. Como se cento de trinta e cinco abelhas estivessem mordendo ao mesmo tempo minhas pálpebras. Insisto em ter calma. De onde vem a calma? Procuro entre o escuro das estrelas. Ela não está. Olho pelas correntes dos elevadores. Não está. Pelo vão da janela das catedrais. Nada. Atiro rojões para o alto como se fosse uma noite de ano novo, mas está tudo como no dia em que me trancaram do lado de fora da minha casa e eu não conseguia mais voltar. Eu esmurrava a porta, apertava a campainha, dava cotoveladas na maçaneta e absolutamente ninguém voltava para me salvar. Ninguém me salvou de mim. Ninguém pode me salvar de mim. Não importa onde vou, estou lá. Não importa para onde me carreguem, vou junto. Essa parte que se assusta com o barulho das moedas caindo no chão. Essa parte que não entende da posse, do controle, da mentira. Mas que mente, que controla e que possui. De onde vem a calma? Respiro lentamente. Aos poucos o ar retorna a meu pulmão. Inspiro, espiro. De onde vem a calma? Ela está aqui dentro de mim, misturada a todo esse sufoco e esse lixo coberto de ouro. Agora só preciso ter calma, para acalmar meu coração. AR. Preciso RespirAR.” — Tico Santa Cruz

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